Os jornais escolares ou de estudantes são, indubitavelmente, uma excelente fonte histórica para o estudo da História da Educação e de outras ciências, pois permitem-nos conhecer a mentalidade, a cultura, os problemas e a influência que os alunos receberam do sistema de ensino. Contudo, infelizmente, a historiografia, em particular a do jornalismo português, não dedicou muita atenção a este tipo de publicações.
Considera-se que o primeiro quartel dos anos 20 do século passado marcou o início da criação de jornais escolares, pelas mãos de estudantes ou do corpo pedagógico das escolas. Um dos primeiros educadores a utilizar o jornal escolar terá sido o belga Jean-Ovide Decroly, em 1909, quando editou, no seu estabelecimento de ensino, o jornal O Correio da Escola. No entanto, a partir de 1924, com a ação do educador francês Célestin Freinet, o jornal impresso tornou-se um aliado indispensável no processo educacional. Freinet percebeu que crianças e adolescentes necessitavam de expressar as suas ideias e, quando o faziam, apresentavam melhorias consideráveis no seu rendimento escolar.
Neste artigo, farei uma breve análise de um exemplar de um antigo jornal que sobreviveu até hoje: a edição número 1 de O Estudante, que saiu do prelo a 2 de fevereiro de 1890. Logo na primeira página, o jornal manifesta os seus interesses ao autointitular-se como "órgão dos alunos do Liceu do Funchal", conferindo-lhe um carácter representativo dos alunos, sendo a sua voz e distanciando-se de um carácter institucional e corporativo, em que ecoasse o discurso oficial.
Assim, pode-se afirmar que, em Portugal, os jornais de estudantes, ao nível do ensino não superior, são efetivamente anteriores ao século XX, tal como aconteceu com os jornais de estudantes do ensino superior.
Segundo os cânones atuais, este jornal não é totalmente escolar; na essência, é um jornal de estudantes, como indica o seu título. É um produto da sua época, não obedecendo a nenhum método pedagógico, sendo também panfletário, pois expressa a vontade dos alunos de participarem na arena pública.
Sem mais delongas, foquemo-nos agora numa breve e indispensável contextualização da época em que este jornal foi produzido. Em 1890, o Liceu do Funchal encontrava-se instalado na Casa do Barão de S. Pedro, um palacete alugado na Rua dos Ferreiros, onde atualmente está a Direção Regional da Cultura. No mês anterior à sua publicação, mais precisamente a 11 de janeiro de 1890, o Reino Unido lançou um ultimato a Portugal, exigindo a retirada militar dos territórios entre Angola e Moçambique, sob ameaça de rompimento das relações entre ambas as nações, que constituíam (e ainda constituem) a mais antiga aliança diplomática do mundo.
O governo português, com o apoio do rei D. Carlos, cedeu de imediato ao Ultimato, gerando reações nacionalistas e antibritânicas, assim como um movimento de contestação à monarquia, acusada, na altura, de menosprezar os interesses nacionais. Esta onda de contestação chegou também à Madeira, amplificada pela textura social, robustecida pelo sentimento nacional e pela consciência do império e dos custos da dependência inglesa, dando início ao caminho da subversão por parte dos republicanos e à generalização de reações nacionalistas populares.
É neste ambiente traumático da vida nacional que o jornal O Estudante pretende chegar aos seus leitores: professores, alunos e a comunidade, entendida esta última como aquela reduzidíssima franja da população alfabetizada, letrada e com recursos para comprar um jornal.
Dando continuidade ao enquadramento histórico dos jornais escolares e de estudantes, passamos agora à análise do exemplar da edição piloto do jornal O Estudante. O número 1, objeto de estudo, é composto por quatro páginas sem qualquer ilustração. Através da consulta ao acervo de periódicos da Direção Regional do Arquivo e Biblioteca da Madeira, sabe-se que apenas quatro números foram publicados, com o primeiro datado de 2 de fevereiro de 1890 e o último de 25 de março do mesmo ano. A sua periodicidade quinzenal revela-se assinalável, sobretudo considerando os desafios logísticos da época.
Não foi possível obter informações sobre os fundadores, administradores ou responsáveis pela redação, visto que a primeira página do jornal não faz referência a esses dados. Somente através de uma crónica na última página é possível confirmar que todos os colaboradores eram estudantes do sexo masculino. No cabeçalho da primeira página, quando se faz menção à administração do jornal, também não são mencionados os nomes dos seus membros, havendo apenas a indicação de um endereço postal — Rua do Bispo, nº 4, 4º andar — para o qual deveria ser remetida toda a correspondência dirigida à administração. A ausência de referência ao endereço do Liceu sugere que o jornal operava de forma independente em relação à direção da escola, embora não clandestinamente. O facto de o jornal apresentar o valor de venda avulso e o custo da assinatura anual também reforça a necessidade de gerar receitas para sustentar o projeto.
A crónica de abertura, intitulada Aos Nossos Professores, aparentemente escrita a várias mãos e assinada pelos "académicos do Liceu do Funchal", começa com uma homenagem apoteótica aos professores, procurando representar o sentimento geral dos alunos do Liceu. O texto enaltece a importância dos professores como guias na busca pelo conhecimento: "Ai da mocidade académica sem um anjo tutelar nas verdadeiras lides do estudo; sem estrela, sem norte nas tortuosas veredas que levam o homem à ciência." A crónica também declara o público-alvo do jornal, que, além dos estudantes do Liceu do Funchal, inclui todos os estudantes do reino, afirmando: "Permiti ainda que este jornal seja também dedicado aos académicos de todo o Reino de Portugal."
Em seguida, o jornal apresenta um texto sem título, assinado pela redação, no qual são mencionadas as dificuldades financeiras enfrentadas para o lançamento do projeto, reafirmando a identidade do jornal como "órgão da academia funchalense". Neste texto, a redação também faz uma declaração de intenções, manifestando o desejo de que o jornal defenda os interesses da classe estudantil e sirva como um veículo para o desenvolvimento das aptidões literárias dos jovens, afastando-se das questões políticas. A redação convida a classe académica local a participar e a cultivar os seus talentos, considerando o jornal como um meio recreativo e educativo: "Abrimos, pois, os braços à mocidade funchalense, para que aproveite os seus talentos, para que se desenvolva, para que se instrua, lendo o pouco que lhe podemos ofertar."
O terceiro texto do jornal, que inicia a segunda página, é um artigo de opinião intitulado Coragem e União, assinado pelas iniciais "M.J.F.V.". Neste artigo, o autor ecoa o apelo da redação, incentivando a mobilização dos "condiscípulos e amigos" para a defesa dos direitos dos estudantes, incitando à união e à coragem, em detrimento da hesitação e da covardia.
Com esta análise, fica clara a intenção dos estudantes do Liceu do Funchal de promover o associativismo como um meio de fortalecer a classe estudantil, defendendo os seus interesses e proporcionando um espaço onde os jovens pudessem desenvolver as suas capacidades intelectuais e expressivas. O Estudante evidencia a força do espírito académico da época e reflete o ambiente social e político em que foi criado, constituindo um marco importante no panorama dos jornais de estudantes em Portugal.
O quarto artigo de opinião da edição piloto do jornal O Estudante, intitulado Portugal e Inglaterra, é assinado apenas com o nome "Carlos" e reflete o fervor patriótico desencadeado pela crise do Ultimato Inglês, que afetou toda a sociedade portuguesa, inclusive a Ilha da Madeira. O autor expressa duras críticas à Inglaterra, revelando um sentimento de traição e angústia em relação à atitude deste país perante Portugal, como se lê na passagem: "Hoje fomos traídos! Os sorrisos da pátria converteram-se em lágrimas tristes (…) Hoje foi ferida covardemente." A crónica apresenta uma clara anglofobia, particularmente relevante no contexto madeirense, onde a comunidade britânica desempenhava um papel importante na economia local. Carlos não poupa palavras ao descrever a Inglaterra como uma "terra de tísicos" e "baluarte digno de tantos covardes", demonstrando o impacto emocional que o Ultimato gerou nos estudantes e na população em geral.
Este artigo também contém um apelo ao nacionalismo e à unidade do povo português contra a Inglaterra, evidenciado pela afirmação: "Verás o heroísmo português clamar vingança contra ti, jurar-te guerra de morte, rasgar-te o pano indigno que te serve de bandeira!" Este tipo de retórica, típico da época, procurava mobilizar as massas e incitá-las à ação, contrapondo-se à apatia popular.
A segunda página termina com três anúncios satíricos, enquanto a terceira página começa com um soneto de Rodrigues Lelo. Segue-se um artigo intitulado A Mulher, assinado por "A.F.", que exalta a beleza e o encanto femininos. Ainda na mesma página, há outro soneto, Soneto a um Jovem Estudioso, assinado por João Francisco de Sousa. A terceira página encerra com o artigo Amor da Pátria, de Thomas Buh, que destaca diversos episódios da história de Portugal e atribui as grandes proezas nacionais ao "amor da pátria", uma metáfora para o patriotismo português.
Na última página, há um aviso da redação pedindo aos leitores que, caso não desejassem aceitar o exemplar, tivessem a delicadeza de devolvê-lo. Segue-se o artigo Progresso e Instrução, assinado por H.V. de V., que celebra o envolvimento dos estudantes madeirenses na imprensa e enaltece a educação como motor do progresso e desenvolvimento da nação. O autor defende a instrução como um meio de fortalecer os interesses dos estudantes e contribuir para o engrandecimento de Portugal, reafirmando que a política seria deixada de lado, mas que a causa estudantil seria central.
Por fim, o segundo artigo de Carlos, intitulado Quem Somos, apresenta de forma descontraída e irónica os colaboradores do jornal como "rapazes, somos crianças que abrimos os olhos à luz do dia", mas sublinha que, apesar da juventude, os autores do jornal têm seriedade e respeito. Carlos também faz um pedido de desculpas às leitoras pelo facto de o jornal ser redigido apenas por rapazes, reconhecendo, assim, a ausência de representatividade feminina.
Concluindo, O Estudante, tal como a maioria da imprensa da época, assume um caráter marcadamente político, como se evidencia em muitos dos seus artigos. No entanto, também reflete a exuberância da adolescência, com um tom sarcástico, uso de ironia e uma comunicação direta. Esta edição expressa as vivências e o espírito de uma época de grande fervor patriótico, de um grupo de estudantes que, através da escrita, procurava afirmar-se num contexto sociopolítico adverso.
Eduardo Simões
(Historiador)
Excerto publicado no 'Ponto e Vírgula', no Diário de Notícias de 22 de outubro de 2024 📰