A Grande Ideia


Borgonha, o poeta, passeava pelos jardins de uns amigos, esperando que algo o inspirasse, quando a viu, usando um longo vestido feito de céu noturno, contrastante com a sua pele de alabastro. Os cabelos enrolavam-se em caracóis negros. A boca era pequena e os olhos cruéis e…sedutores. Então moveu-se, o vestido ondulando atrás dela. O seu aroma permaneceu no ar.

Borgonha teve certeza absoluta que era e sempre seria a sua grande ideia. Viu por ali um amigo a quem perguntou a identidade da mulher:

- Uma mulher vestida de preto? Ana de Sousa ou a Carla Borges dos poemas de Ricardo Sampaio.

Logo agora que encontrara alguém que seria a sua inspiração, alguém para amar … e era a musa de outro, do seu maior rival! Poeta infeliz! Não, não deixaria que Sampaio lhe roubasse a arte e o amor. Mostrar-lhe-ia quem era o melhor. Despediu-se do amigo.

De regresso a casa, Borgonha trancou-se no escritório e escreveu. Eram poemas de amor.

Durante meses, o poeta descobrira que Ana era inteligente. Discutia política, filosofia e arte. A expressão entediada dela transformava-se em deleite quando conseguia provar ser superior aos tolos galanteadores.

Nesses momentos Borgonha ficava feliz por se ter apaixonado por ela, porque a cada dia que passava dedicava-lhe mais um poema, e ao final de um ano publicara uma coletânea sobre ela, que fora um sucesso.

Após a publicação, Borgonha festejou, rodeado dos maiores nomes nacionais e, para sua surpresa, Ana também lá se encontrava.
- Haveis escrito sobre mim.

O poeta começou a suar. E se ela não tivesse gostado? Não, ele tinha feito todos aqueles versos com tanto amor e dedicação. Talvez a sua relação com Ricardo Sampaio estivesse em causa e por isso andasse irritada?

-Estais enganada. Não escrevi sobre vós.

-Não gosto quando invadem a minha privacidade.

-Novamente, senhora? …

-Conheço o ofício, escusais de o negar.

O poeta tentou ocultar o ciúme que sentia quando disse:

-Contudo permitis que Ricardo Sampaio escreva sobre vós. Inesperadamente, Ana riu-se e fê-lo enrubescer.

-Não vejo a piada.

-A piada … é que eu sou Ricardo Sampaio.

-Como? – Exclamou incrédulo.

-Fácil. Publico as minhas obras sob pseudónimo masculino. As mulheres não têm liberdade, mas não iria ser esse fator que me impediria de concretizar um sonho.

-Isso significa que o meu maior rival é a mulher que amo? Não só sois bela, inteligente e ainda me fazeis ralar de ciúmes… mas não retirarei as obras das livrarias.

-Perdão?

-Ouvistes bem. Aqueles poemas são a prova de que vos amo e quero que todos saibam.

-E a minha privacidade?- questionou chocada.

-Aposto que a Carla Borges não se importou com isso.

-Ela nunca teve a astúcia suficiente para descobrir que eu falava sobre ela. Afinal ainda não percebeste?- sussurrou

Borgonha ficou imóvel por um momento, depois envolveu –a com os braços e ela retribuiu.

Não disseram mais nada. Havia momentos em que as palavras não serviam nem aos poetas.
Sofia
ES Jaime Moniz| 11.º ano

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